Como funciona o cérebro dos grandes matemáticos?

Albert Einstein, Alan Turing e outros brilhantes matemáticos não tinham um cérebro diferente do nosso. No entanto, eles o usavam de forma diferente. Segundo um estudo recente, os matemáticos utilizam áreas do cérebro específicas, inativas nas pessoas normais. Então, como funciona o cérebro dos gênios em matemática?

As origens das capacidades humanas para a matemática são discutidas até hoje. De acordo com algumas teorias, essas capacidades são fundamentadas em circuitos cerebrais antigos, envolvidos inicialmente com espaço e números. Outras teorias sugerem que elas estão vinculadas aos circuitos cerebrais responsáveis pelo tratamento da linguagem. Para determinar a origem das aptidões em matemática e os sistemas cerebrais envolvidos nelas, os cientistas M. Amalric e S. Dehaene, pesquisadores em neuroimagem cognitiva da Unidade Inserm-CEA, na França, utilizaram a IRM funcional para avaliar a atividade cerebral de 15 especialistas em matemática (homens e mulheres com idade média de 29 anos) e a de 15 pessoas que estudam matemática, mas não são especialistas.

Os participantes ouviram 72 propostas matemáticas complexas, igualmente distribuídas entre álgebra, análise, geometria e topologia, e 18 declarações não matemáticas, históricas em maioria. Eles tiveram quatro segundos para pensar em cada proposta e determinar se era certa, errada, ou sem sentido.

Os resultados mostraram que as áreas do cérebro ligadas à linguagem e à compreensão são ativadas quando os participantes pensam nas propostas não matemáticas, respondidas corretamente em dois terços dos casos. Ao contrário, para a análise das propostas matemáticas, os pesquisadores observaram que as áreas correspondentes aos números, aos cálculos e às representações no espaço são ativadas apenas no cérebro dos especialistas em matemática, que dão a resposta correta em 65% dos casos contra 37% para os leigos. Isso demonstra que o raciocínio matemático de alto nível envolve um conjunto de áreas do cérebro que exclui as zonas cerebrais do hemisfério esquerdo, responsáveis pelo tratamento da linguagem. Todas as áreas matemáticas testadas ativam uma rede bilateral que inclui o córtex pré-frontal, os sulcos intraparietais e as zonas temporais inferiores.

O interessante é que pesquisas anteriores já mostraram que estas zonas (não linguísticas) são ativadas quando efetuamos um cálculo aritmético simples. Para Amalric, os resultados indicam que a reflexão matemática de alto nível recicla as áreas do cérebro associadas a um conhecimento antigo dos números e do espaço. Isso também explica porque os conhecimentos básicos que temos enraizados desde a infância podem predizer o sucesso matemático.

Fonte : M. Amalric et S. Dehaene, Origins of the brain networks for advanced mathematics in expert mathematicians, PNAS, 11-04-2016.

Tradução: Yann Walter

Por que nosso cérebro é parecido com uma noz?

Estudo recente publicado na revista Nature Physics e apresentado no site da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, revela o segredo da formação das circunvoluções cerebrais, ou seja, como se criam as múltiplas ‘dobras’ do cérebro humano.

Somente alguns animais, como os primatas, os golfinhos, os elefantes e os porcos, possuem as concavidades e saliências do cérebro humano. O volume do nosso crânio varia, em média, entre 1.100 e 1.700 centímetros cúbicos. No entanto, se nosso cérebro fosse ‘alisado’, ele teria uma superfície total de um a dois metros quadrados. A girificação – ou seja, a quantidade de dobras – é uma característica cerebral importante, pois permite inserir um grande córtex em um espaço de tamanho reduzido.

Várias hipóteses já foram emitidas para explicar o surgimento das dobras no cérebro. Pesquisadores da Escola Harvard John A. Paulson de Ciências Aplicadas, e cientistas finlandeses e franceses conseguiram demonstrar que as dobras cerebrais são o resultado de uma compressão mecânica do órgão dentro do crânio. Essa compressão é útil porque as dobras permitem a aproximação dos neurônios, favorecendo conexões mais curtas e rápidas.

Para validar sua hipótese, a equipe de pesquisadores colaborou com especialistas em neuroanatomia e radiologia na França para construir, a partir de IRM (Imagens por Ressonância Magnética), um modelo em 3D de um cérebro de feto humano. As observações mostraram que este cérebro fica ‘liso’ – ou seja, sem dobras – durante as vinte primeiras semanas. As dobras aparecem a partir da vigésima semana de gestação e continuam se desenvolvendo até que a criança complete 18 meses.

Para entender melhor este fenômeno, os cientistas buscaram então reproduzir o crescimento cortical. Eles aplicaram na superfície de seu modelo 3D uma camada de gel elastômero, antes de mergulhá-lo em um solvente. Em poucos minutos, a camada de gel inchou, criando forças de compressão mecânicas e provocando a formação de dobras semelhantes às de um verdadeiro cérebro.

Os autores do estudo ainda fizeram simulações digitais do cérebro modelizado como um tecido e mostraram, através de um percurso de desenvolvimento realista, que as circunvoluções aparecem também neste caso. A geometria do cérebro serve, portanto, para orientar as dobras em certas direções.

Esta descoberta pode permitir entender melhor a formação de algumas patologias, e influenciar os diagnósticos e os tratamentos de diversas disfunções neurológicas. De fato, segundo J. Y. Chung, coautor do estudo, o cérebro não é exatamente o mesmo de um humano para outro, mas deveríamos todos ter as mesmas grandes dobras para gozarmos de boa saúde. “Nossa pesquisa mostra que se uma parte do cérebro não se desenvolve de forma correta, ou se a geometria local é perturbada, talvez as grandes dobras não estejam no lugar certo, o que pode provocar uma disfunção cerebral”, concluiu.

Fonte: Tuomas Tallinen, Jun Young Chung, François Rousseau, Nadine Girard, Julien Lefèvre et Lakshminarayanan Mahadevan. On the growth and form of cortical convolutions. Nature physics, fevereiro de 2016.

Jogos online podem alterar o funcionamento do cérebro?

Abusar dos jogos na internet pode ter várias consequências para o cérebro, tanto positivas quanto negativas. De acordo com estudo publicado no dia 21 de dezembro de 2015 pela Addiction Biology, o cérebro dos adolescentes viciados nos jogos on-line sofre mudanças significativas.

Não há, por ora, consenso sobre a presença de alterações cerebrais associadas aos jogos na internet. Para este estudo, resultado de uma colaboração entre a Universidade da Utah School of Medicine (EUA) e a Universidade Chung-Ang (Coreia do Sul), os pesquisadores praticaram uma ressonância magnética em 78 garotos de 10 a 19 anos diagnosticados como dependentes aos jogos on-line (IGD=Internet Gaming Disorder). As imagens obtidas foram comparadas às de ressonâncias magnéticas realizadas em 73 garotos sem IGD.

Os resultados das ressonâncias magnéticas (IRM) dos garotos com IGD mostraram uma forte conectividade entre as redes cerebrais que respondem pela visão e a audição. Correlações funcionais ampliadas foram retratadas em sete pares de áreas do cérebro. Assim, os adolescentes são mais propensos a apresentarem uma maior coordenação entre a visão ou a audição e o movimento, focando nas informações novas e importantes. Concretamente, esta ‘hiperconectividade’ pode ajudar um jogador a reagir mais rapidamente ao ataque de um adversário ou, na vida real, a responder com mais velocidade a uma voz desconhecida em um lugar lotado.

Apresentadas desta forma, as correlações funcionais ampliadas no cérebro dos garotos com IGD podem parecer benéficas. No entanto, segundo Jeffrey Anderson, professor de neurorradiologia e coautor do estudo, estas mudanças também podem trazer vários problemas. A coordenação entre o córtex pré-frontal dorsolateral e a junção temporal parietal é maior entre os garotos com IGD e isso pode aumentar a distração e o descontrole dos impulsos, a exemplo do que acontece com pessoas que sofrem de doenças neuropsiquiátricas como esquizofrenia ou autismo. Ainda não é possível determinar se esta coordenação ampliada provoca a atração por jogos on-line, ou se ela é causada justamente pelo abuso destes jogos.

Cabe frisar que os participantes do estudo foram examinados na Coreia do Sul, país onde os videogames ocupam um lugar preponderante na vida dos jovens. O governo sul-coreano apoia, inclusive, diversos estudos sobre o vício em jogos na internet.

Fonte : Doug Hyun Han, Sun Mi Kim, Sujin Bae, Perry F. Renshaw, Jeffrey S. Anderson. Brain connectivity and psychiatric comorbidity in adolescents with Internet gaming disorder. Addiction Biology, Dez 2015

Traduzido por: Yann Walter

Como os cães percebem os rostos humanos

Já foi comprovado que áreas específicas do cérebro humano são dedicadas ao tratamento dos rostos. Até pouco tempo atrás, não se sabia se o cérebro dos cães funcionava da mesma forma. No entanto, pesquisadores mexicanos analisaram as áreas cerebrais caninas responsáveis pela percepção dos rostos humanos.

O estudo de Laura V. Cuaya, Raúl Hernandez-Perez e Luis Concha, publicado pela revista Plos One, é focado na descrição dos correlatos cerebrais da percepção dos rostos humanos pelos cachorros através da IRM (Imagem por Ressonância Magnética) funcional. A experiência exigiu uma formação muito específica de sete cães (cinco border collies, um labrador retriever e um golden retriever), sendo quatro machos e três fêmeas com idades entre 15 e 50 meses. Para aceitar o teste de ressonância magnética, eles foram submetidos a um treinamento de quatro meses para aprenderem a ficar imóveis, com a cabeça em um apoio de queixo.

Após essa etapa de treinamento, os cientistas mostraram aos cães 50 fotos de rostos humanos ‘neutros’ e 50 fotos de objetos do dia a dia. As fotos foram exibidas em uma tela durante uma única sessão de 190 segundos, dividida em várias sequencias de sete segundos com cinco imagens cada uma. A atividade cerebral dos cachorros foi fotografada e analisada durante a sessão.

Diante de fotos de rostos humanos, a atividade cerebral dos cães registrou mudanças significativas em várias áreas do cérebro, sobretudo no córtex temporal bilateral. Já a observação dos objetos do dia a dia não mostrou alterações na atividade cerebral.

Parte da via visual ventral, o córtex temporal é, segundo os pesquisadores, um pilar da cognição social dos cachorros. Os cientistas mostraram ainda que a atividade cerebral ligada à percepção dos rostos também induz uma atividade no núcleo caudado, uma área do cérebro associada à recompensa.

Assim, de acordo com os autores do estudo, é possível que para um cão, observar um rosto humano seja mais intrinsecamente ligado à recompensa do que a visão de um simples objeto.

Fonte : Laura V. Cuaya, Raùl Hernandez-Perez et Luis Concha, Our faces in the dog’s brain : functionnal imaging reveals temporal cortex activation during perception of the human faces, in Plos One, março de 2016.

Traduzido por: Yann Walter

Como a voz influencia as emoções?

Imagine se houvesse um aplicativo capaz de modificar o tom emocional de sua voz para aumentar seu nível de felicidade… Na verdade, este dispositivo já existe! Ele foi desenvolvido por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês) e de três universidades: uma francesa, uma japonesa e uma sueca. O estudo realizado em conjunto por estas entidades demonstra que nosso cérebro ajusta seu humor em função da tonalidade de nossa própria voz.

Uma das formas de controlar e regular a expressão de nossas emoções é tentar fingir que os acontecimentos não nos afetam. Assim, de acordo com J-J Aucouturier, principal autor do estudo, “deveríamos conseguir detectar e corrigir os erros emocionais que cometemos”. E a expressão vocal é, sem dúvida, a melhor maneira de avaliar o grau de consciência que as pessoas têm de suas próprias expressões emocionais. De fato, durante uma conversa, é possível captar um sinal e modificar sua tonalidade emocional antes de ‘devolvê-lo’ ao interlocutor. Partindo desse conceito, Aucouturier e sua equipe criaram uma plataforma digital para estudar os mecanismos implementados pela produção destas emoções vocais.

Para este primeiro estudo, foi conduzida uma experiência na qual os participantes tiveram de ler em voz alta um texto curto escutando simultaneamente o som de sua voz, levemente modificada – sem eles saberem – para parecer mais alegre, triste ou assustada. Para inserir alegria, os pesquisadores aumentaram o tom da voz e enfatizaram as primeiras sílabas das palavras. Para simular a tristeza, fizeram o contrário: abaixaram o tom da voz e diminuíram a intensidade no fim das palavras.

Os 112 participantes do estudo, sendo 92 mulheres com idade média de 20 anos, responderam a uma série de perguntas para determinar se perceberam as manipulações de sua voz. Outras 90 participantes – todas elas mulheres com idade média de 21 anos – relataram seu estado emocional antes e depois da leitura do texto. Suas respostas foram categorizadas por emoções (felizes, otimistas e tristes) e tensões (perturbadas, ansiosas e relaxadas). Os resultados mostraram que quando os participantes escutam sua voz, seu estado emocional muda segundo a modificação feita (mais alegre, triste ou assustada), e a grande maioria deles nem percebe a modificação de sua voz. “O cérebro processa diretamente o som de nossa própria voz sem que tenhamos consciência disso, para nos informar sobre nosso estado emocional”, concluiu Aucouturier.

Concretamente, isso significa que é possível influenciar os estados emocionais observando as características de uma voz e corrigindo ela em consequência, para provocar uma mudança de humor no cérebro. Para K. Watanabe, coautor do estudo, a plataforma pode ser utilizada com fins terapêuticos.

Para conhecer o aplicativo, acesse o link: http://cream.ircam.fr/?p=44

Fonte : J-J Aucouturier et al., Covert digital manipulation of vocal emotion alter speakers’ emotional states in a congruent direction, PNAS, janeiro de 2016.

Tradução: Yann Walter

A televisão afeta nosso cérebro?

Sabemos que comportamentos sedentários são nocivos para a saúde, mas poucos cientistas se debruçaram realmente sobre seus efeitos. Pois um estudo conduzido durante 25 anos pelo Instituto para a Pesquisa e Educação da Califórnia (EUA) acaba de demonstrar que a televisão pode ser perigosa para nossos neurônios, mesmo com a prática regular de atividade física. Segundo T. D. Hoang e sua equipe, assistir TV com muita frequência provoca uma queda das capacidades cognitivas. Como os cientistas chegaram a esta conclusão preocupante?

Nesse estudo, os costumes físicos e televisuais de 3.247 adultos, sendo 54,5% de mulheres, de 18 a 30 anos, foram avaliados durante 25 anos, de 25 de março de 1985 a 31 de agosto de 2011. Cada participante respondeu a um questionário no início do estudo, e foi contatada novamente a cada dois a cinco anos para responder um novo questionário. No fim, eles foram divididos em dois grupos segundo o tempo que passavam diante da TV: os assíduos (mais de 3 horas de televisão por dia) e os moderados (menos de 3 horas diárias). Suas funções cognitivas foram avaliadas pelo DSST (Digit Symbol Substitution Test), pelo teste de Stroop e pelo RAVLT (Rey Auditory Verbal Learning Test).

Os resultados e análises, realizados entre junho de 2014 e abril de 2015, mostram que os telespectadores assíduos durante 25 anos (10,9% do total de participantes) são mais propensos a terem desempenho ruim nos testes cognitivos. Além disso, os participantes que praticam pouca ou nenhuma atividade física (16,3% do total) têm desempenho ruim no DSST. Por fim, os telespectadores assíduos e sedentários têm quase duas vezes mais chances de ter fraco desempenho cognitivo do que os telespectadores moderados que praticam exercícios de forma regular.

O consumo excessivo de televisão e a falta de atividade física são, portanto, dois fatores autônomos do declínio cognitivo. Ou seja, os efeitos nocivos das horas passadas diante da TV não são compensados pela prática do esporte. É claro que as pessoas que praticam alguma atividade física com frequência preservam mais suas capacidades cognitivas do que as pessoas que têm comportamento sedentário, mas elas também terão suas capacidades intelectuais afetadas se assistirem mais de três horas de TV por dia.

De acordo com Michel Desmurget, diretor de pesquisa no Centro de Neurociências Cognitivas de Lyon, na França, a redução das funções cognitivas se deve a diversos fatores, como a falta de estímulos dos programas de TV, pouco exigentes do ponto de vista intelectual; o nível de ansiedade contido nesses programas; a diminuição do tempo e da qualidade do sono; e o estímulo ao consumo de cigarros e bebidas alcóolicas.

Assim, o ensinamento mais importante do estudo é que a prática do esporte não protege do consumo excessivo de televisão. Para preservar nossos neurônios, é fundamental praticar atividade física, mas também largar o controle remoto!

Fonte : T.D. Hoang et al., Effet of early adult patterns of physical activity and television viewing on midlife cognitive function, in JAMA Psychiatry vol. 73, n°1, janeiro de 2016.

Tradução: Yann Walter

A ligação cerebral entre o cheiro de comida e a obesidade

De acordo com cientistas mexicanos, a obesidade seria parcialmente causada por uma disfunção neurológica. Segundo esses pesquisadores, o cheiro da comida estimularia áreas do cérebro diferentes nas crianças obesas e nas crianças com peso normal.

Na maioria dos países, a obesidade já é considerada um problema de saúde pública. O México, onde foi realizado o estudo, é o país com a maior taxa de obesidade infantil do planeta, à frente até dos Estados Unidos.

De fato, segundo dados coletados pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) em 2013, 70% da população mexicana está acima do peso e 20% das crianças de 5 a 11 anos são obesas. Este percentual sobe para 30% entre os jovens de 12 a 19 anos.

As crianças obesas correm risco maior que as demais de desenvolver diabetes, hipertensão ou doenças cardiovasculares na idade adulta. Pela primeira vez na história do México, estimou-se recentemente que as crianças viveriam em média 10 anos menos que seus pais. É por isso que, segundo os pesquisadores, é essencial entender os mecanismos cerebrais que contribuem para a obesidade.

Para realizar o estudo, os cientistas quiseram determinar os efeitos de estímulos olfativos no cérebro das crianças. Trinta crianças de 6 a 10 anos, sendo 15 meninos e 15 meninas, foram divididas em dois grupos em função de seu IMC (Índice de Massa Corporal), que corresponde ao peso dividido pela altura ao quadrado. As crianças com IMC normal (entre 19 e 24) formaram o primeiro grupo, e as crianças consideradas obesas (com IMC maior que 30) constituíram o segundo grupo.

Todas as crianças foram expostas a três estímulos olfativos diferentes: um muito calórico (chocolate), um pouco calórico (cebola) e um neutro (acetona diluída). Durante a exposição, a atividade cerebral delas foi mensurada por duas técnicas de IRM (Imagem de Ressonância Magnética).

Os resultados obtidos mostraram que no caso das crianças obesas, os estímulos olfativos ativaram a área do cérebro ligada à impulsividade e ao desenvolvimento dos TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Já no caso das crianças com peso normal, foram ativadas as áreas ligadas controle das emoções, à regulação do prazer, à organização e ao planejamento, desativadas nas crianças obesas.

Os cientistas observaram que no caso das crianças com IMC dentro da média, o cheiro de cebola estabeleceu uma conexão entre o córtex gustativo e a zona do cérebro que intervém no circuito da recompensa. Tal conexão não foi observada nas crianças obesas. A mesma constatação foi feita no caso do chocolate. No entanto, a intensidade das conexões varia segundo os estímulos olfativos: a atividade cerebral foi maior no caso das crianças obesas expostas ao cheiro de chocolate.

Assim, o estudo mostra que a obesidade pode ser associada a uma disfunção neurológica, com a impulsividade dominando a emoção controlada no caso das pessoas acima do peso. Segundo os cientistas, esta pesquisa pode melhorar o tratamento da obesidade, principalmente infantil.

Fonte : Food Odors Activate Impulse Area of the Brain in Obese Children, Pilar Dies-Suarez and al, novembre 2015, Radiological of North America.

Traduzido por Yann Walter

Por que nosso cérebro é mais eficiente que um computador

De acordo com um estudo publicado no fim do ano passado no site eLife, nosso cérebro teria uma capacidade de estocagem de um petaocteto, ou seja, 10 vezes maior do que se pensava até agora. Concretamente, isso significa que nosso cérebro tem uma capacidade mil vezes superior à de um processador, além de consumir menos energia.

Parece difícil medir a quantidade de informação que nosso cérebro pode estocar. No entanto, a equipe do Instituto Salk, em San Diego, nos EUA, conseguiu essa façanha. Graças à análise de tecidos cerebrais de ratos, os cientistas reproduziram em 3D uma parte ínfima do hipocampo, a área do cérebro responsável pela memória. Nossas lembranças e pensamentos são o resultado de representações da atividade eléctrica e química de nosso cérebro. O elemento-chave desta atividade acontece quando o axônio (a ‘cabeça’ do neurônio) envia a informação ao dendrito (a ‘cauda’) de outro neurônio. Essa informação é recebida pelas espinhas dendríticas. São essas espinhas que, através desses pontos de contato (sinapses), permitem, via neurotransmissores, a transmissão do impulso nervoso. Cada neurônio pode ter milhares de sinapses com milhares de outros neurônios. Além disso, essa força sináptica pode ser mais ou menos intensa.

Com base em seu micro volume em 3D, o pesquisador Terry Sejnowski e sua equipe puderam estudar as sinapses com muita precisão e observaram uma atividade incomum em 10% das conexões sinápticas. Um axônio pode se conectar duas vezes ou mais a um mesmo dendrito. Isso significa que um neurônio pode enviar várias mensagens a outro neurônio. Mas essa pesquisa ainda está longe do fim. Tom Bartol, um dos integrantes da equipe, teve a ideia de utilizar microscopia de ponta e algoritmos muito elaborados para otimizar a reconstituição das conectividades neuronais em nível nano-molecular, com o objetivo de verificar se existe uma diferença de tamanho entre as diferentes sinapses usadas por um mesmo neurônio.

De fato, a força sináptica pode ser avaliada por seu volume, que provém da quantidade de neurotransmissores e da superfície de contato. Este volume pode variar de um fator 60, segundo a quantidade de informações transmitidas. É o que os cientistas chamam de força sináptica, que pode ser mensurada em octetos (a mesma unidade que a da memória dos computadores). Normalmente as sinapses são divididas em três tamanhos, ou forças, pequena, média e grande. No entanto, os autores do estudo descobriram 26! Assim, a estocagem de informações pelo cérebro é bem mais eficiente do que se podia imaginar. Para efeitos de comparação, 26 tamanhos de sinapses correspondem a aproximadamente 4,7 bits de informações. Antes, estimava-se em entre 1 e 2 bits a quantidade de informações contida em uma sinapse. Desta forma, chega-se ao número de um petaocteto para o cérebro inteiro!

Os pesquisadores também puderam comprovar a variabilidade das forças sinápticas. A cada 2 a 20 minutos, o tamanho de nossas sinapses aumenta ou diminui segundo o sinal que elas recebem, podendo transportar mais informações e, consequentemente, aumentar nossa capacidade de memória. Cerca de 1.500 transmissões provocam uma redução do volume em 20 minutos, e algumas centenas de sinais levam a um crescimento do volume em dois minutos. Essa capacidade do cérebro, associada ao fato de que na idade adulta ele gera uma potência contínua de apenas 20 watts (o equivalente a uma lâmpada de baixo consumo), explica que ele pode estocar um volume muito grande de informações consumindo pouca energia.

Fonte : Thomas M Bartol Jr, Cailey Bromer, Justin Kinney, Michael A Chirillo, Jennifer NBourne, Kristen M Harris, Terrence J Sejnowski. Nanoconnectomic upper bound on the variability of synaptic plasticity. In eLife, nov. 2015.

Traduzido por Yann Walter

É possível esquecer a língua materna?

Sabe-se que a aprendizagem mais rápida de um idioma acontece nos primeiros anos de vida, ou seja, durante o período em que o cérebro, devido a sua maior neuroplasticidade, está mais pré-disposto a coletar e estocar informações básicas, principalmente sons. Partindo dessa premissa, uma equipe de pesquisadores canadenses tentou descobrir se as primeiras aquisições linguísticas influenciam o tratamento de outro idioma.

Para realizar seu estudo, publicado em Nature Communications, os pesquisadores da Universidade McGill, de Montreal, avaliaram 43 meninas com idades entre 10 e 17 anos. Todas elas falam francês, mas algumas foram expostas ao idioma chinês nos primeiros anos de vida. Estas meninas foram divididas em três grupos: um de 21 meninas adotadas na China antes dos três anos de idade por famílias que falam somente o francês; outro de 12 crianças bilíngues em chinês e francês (elas aprenderam o chinês até os três anos e o francês depois dos três); e o terceiro de 10 meninas que aprenderam somente o francês e nunca foram expostas à língua chinesa.

Todas as crianças escutaram 36 pseudopalavras de duas sílabas. As pseudo-palavras são palavras que não existem, mas podem ser pronunciadas. Elas são úteis para estudar como o cérebro pode processar os sons de um idioma em função das línguas ouvidas nos primeiros anos de vida. Os participantes tiveram que identificar um ‘alvo’ em uma sequencia de pseudopalavras. Para visualizar as partes do cérebro ativadas durante esta tarefa, os cientistas utilizaram a técnica de IRM (Imagem por Ressonância Magnética) funcional.

Todos os grupos tiveram desempenho semelhante na realização da tarefa. No entanto, os modelos de ativação neuronal foram diferentes. Em todos os integrantes dos dois primeiros grupos, foram ativadas áreas do cérebro ligadas à memória e à atenção, o que não ocorreu nas crianças do terceiro grupo. O fato de as IRM das meninas chinesas adotadas corresponderem às das crianças bilíngues comprova que as representações neuronais adquiridas nos primeiros meses de vida não são perdidas, e sim estocadas no cérebro.

Estes resultados mostram que uma primeira experiência idiomática, mesmo de curta duração, pode influenciar o tratamento fonológico dos idiomas aprendidos depois. “Assim, a exposição a um idioma no início da vida poderia modificar a forma de perceber outra língua”, disse Lara Pierce, coautora do estudo. Ela ressaltou, porém, que é impossível por ora determinar se aprender uma nova língua é mais fácil ou não para as crianças expostas desde cedo a uma primeira experiência idiomática.

Fonte : L.J. Pierce, J.K. Chen, A. Delcenserie, F. Genesee, D. Klein, Past experience shapes ongoing neural patterns for language, Natural Communications . Dec. 2015.

Traduzido por: Yann Walter

Por que é mais fácil criticar do que elogiar?

É fato que somos mais propensos a notar os erros do que os acertos das outras pessoas. O interessante, porém, é que esta tendência não se explica apenas por aspectos culturais. Uma equipe de neurobiologistas da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, localizou uma área do cérebro que influencia nossas capacidades de julgamento.

O estudo de Lawrence Ngo e seus colaboradores é o primeiro a utilizar ferramentas de pesquisas em neurociências para tentar explicar porque as pessoas consideram que ações induzindo consequências negativas são mais intencionais do que as que têm efeitos positivos. Na maioria das vezes, uma pessoa que vê um jovem ajudando um idoso a atravessar a rua pensa: “será que ele faz isso por interesse?”, e não: “que jovem mais simpático!”.

Para conduzir sua pesquisa, a equipe de neurobiologistas submeteu aos participantes o seguinte cenário, frequentemente utilizado em filosofia experimental: o vice-presidente de uma empresa se encontra com o presidente e diz: “Desenvolvemos um novo projeto que nos permitirá aumentar significativamente nossos benefícios, mas que também terá como consequência prejudicar o meio ambiente”. O presidente responde: “Não me importo em prejudicar o meio ambiente, estou interessado apenas nos lucros. Vamos seguir adiante com o novo projeto”. Os pesquisadores fizeram depois a seguinte pergunta: o presidente teve a intenção de prejudicar o meio ambiente? Para 82% dos participantes, a resposta foi sim.

Os cientistas substituíram então o verbo “prejudicar” pelo verbo “ajudar”. Apenas 23% consideraram a ação do presidente intencional. No entanto, nos dois casos, o presidente da empresa está indiferente às consequências do plano sobre o meio ambiente. Não existe qualquer motivo lógico para pensar que a ação ruim seja mais intencional do que a boa. É o ‘efeito Knobe’, assim chamado por causa do filósofo que elaborou este cenário: nossas atribuições de estados mentais são guiadas por considerações morais.

Para explicar este paradoxo, os cientistas utilizaram a técnica de IRM (Imagem por Ressonância Magnética) funcional para analisar a atividade do cérebro de 20 pessoas – 10 homens e 10 mulheres, com idade média de 24 anos – enquanto elas liam 40 cenários similares ao apresentado anteriormente. Os participantes foram orientados a dar uma nota de intencionalidade da ação numa escala de 1 (não intencional) a 8 (totalmente intencional). Os pesquisadores observaram que quando uma pessoa ouve a história e considera que as ações das pessoas envolvidas merecem críticas, sua amígdala – uma zona do cérebro ligada ao controle das emoções – é ativada. E quanto mais a pessoa é atingida emocionalmente pela história, mais a amígdala é solicitada. Ao contrário, quando as ações são consideradas positivas, a atividade da amígdala é muito menor.

De acordo com a equipe de cientistas, esta diferença se deve ao fato de que somos mais racionais quando julgamos uma ação positiva, considerando que ela é apenas o resultado de outras ações interessadas (no cenário com o presidente de empresa, ajudar o meio ambiente é considerado um efeito colateral involuntário). Isso explica porque somos mais propensos a criticar as pessoas por suas ações.

Fonte : Ngo, L. et al. Two Distinct Moral Mechanisms for Ascribing and Denying Intentionality. Scientific Reports 5, dec. 2015.

Traduzido por Yann Walter